Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
O presente elenco do Ministério da Saúde publicou em Diário da República um diploma inovador com vista a oferecer competências de enfermagem a não-enfermeiros com a aprovação de médicos. Isso mesmo. Competências de enfermagem oferecidas a não-enfermeiros por aprovação de médicos.
A observar:
Despacho n.º 16401/2012. DR n.º 249, Série II de 2012-12-26 - Ministério da Saúde - Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde. Estabelece as competências dos Técnicos de Ambulância de Emergência (TAE), profissionais do Instituto Nacional de Emergência Médica IP (INEM), que atuam no âmbito da emergência médica extra-hospitalar.
Deste despacho tiramos as seguintes conclusões: 1) os TAE vão continuar a desempenhar um papel semelhante ao até aqui encetado, no entanto, observam agora as competências publicadas em despacho do Ministério da Saúde; 2) as pequenas (grandes) diferenças resumem-se em dois pontos: "entubação supraglótica" e "a preparação e/ou administração de fármacos por via endovenosa, subcutânea, intramuscular ou intraóssea".
Estes upgrades reservam-se segundo o despacho a "situações em que o utente se encontre em risco eminente de vida ou de perda de um membro, em que a não tentativa de realização de qualquer uma destas tarefas no imediato possa condicionar a sua sobrevivência e/ou condições extremas do seu bem-estar (caso especifico da analgesia ao doente com queimaduras graves)".
Esta condição é no mínimo irresponsável, e por vários motivos - elencá-los tornaria este texto numa lista de tópicos.
Se nós, enfermeiros, sabemos que preparar e administrar fármacos não é a mesma coisa que utilizar um desfibrilhador automático, parece que muita gente não pensa da mesma forma. Se nós, enfermeiros, gastamos alguma energia em torno da segurança do doente e somos pioneiros no controlo da infeção, parece que muita gente não pensa da mesma forma. Se nós, enfermeiros, temos casuística suficiente e conhecimento científico para efetuar procedimentos com a maior segurança e pertinência na decisão clínica, existem pessoas que não têm ambos mas parece que muita gente não pensa da mesma forma. Se nós, enfermeiros, temos evidência que comprova melhores resultados nos sistemas de emergência médica onde atuamos, existem pessoas que não pensam da mesma forma.
São as pessoas que não pensam da mesma forma que providenciam mudanças drásticas no SIEM sem qualquer suporte ou evidência científica. São essas pessoas que ignoram o facto de que os TAE não terão casuistica nem conhecimento para atuar conforme as competências atribuídas garantindo a segurança do doente. São essas pessoas que ignoram que nas condições atuais o SIEM necessita de aperfeiçoar o cuidado a idosos, as redes de suporte e encaminhamento social, não fossem os idosos os maiores clientes do INEM. Este INEM não defende os cidadãos portugueses, defende alguns.
Sempre defendi que todos os intervenientes no SIEM deveriam ter mais e melhor formação mas este não é o caminho. Tive oportunidade de demonstrar anteriormente que vivemos num país que trata os cidadãos de uma forma desigual e isso é o que mais me preocupa. Com estas medidas o fosso entre os bem-atendidos e os mal-atendidos vai alargar e disseminar-se.
Para um despacho deste tipo ter visto a luz do dia esta condição: "situações em que o utente se encontre em risco eminente de vida ou de perda de um membro, em que a não tentativa de realização de qualquer uma destas tarefas no imediato possa condicionar a sua sobrevivência e/ou condições extremas do seu bem-estar (caso especifico da analgesia ao doente com queimaduras graves)" - não pode ser válida, configura apenas uma forma de encapotar a intenção de acabar com a prestação de cuidados de enfermagem no pré-hospitalar.
E a caravana passa...
Para que servem os cirurgiões? Eu julgava que os cirurgiões efetuavam cirurgias, ao que parece estou parcialmente enganado.
António Ferreira, administrador máximo do Hospital de São João no Porto, hospital que apesar de tudo é um dos hospitais melhor classificados em vários indíces, veio a público dizer que no 'seu' hospital "30 cirurgiões nunca foram ao bloco operatório" e "cada cirurgião faz em média uma cirurgia por semana" (link). Isto é grave, é!
No entanto a Ordem dos Médicos, a cumprir o seu papel, já veio criticar: "Ao englobar no mesmo ‘saco’ todas as especialidades cirúrgicas e ao dividir aritmeticamente números de cirurgias efetuadas por cirurgião e por semana, mês ou ano, o sr. dr. António Ferreira revelou uma falta de rigor e uma leviandade intelectual intoleráveis. A actividade dos cirurgiões não é a de operadores".
Até aqui menos mal, o pior vem depois. A OM refere ainda que: “Não podemos deixar de referir o insuficiente acesso a blocos e tempos cirúrgicos, da responsabilidade da tutela, um dos factores que mais limita a produtividade cirúrgica dos cirurgiões do SNS” (link).
Inferimos que o administrador do hospital de São João falha na gestão dos seus cirurgiões, tenha muitas limitações ou nenhumas, é sua responsabilidade; e que a OM acha que não se fazem mais cirurgias porque existe insuficiente acesso a blocos e tempos cirúrgicos.
Portanto, o Dr.º António Ferreira devia arrumar a casa, e os dirigentes da OM deviam deixar o populismo pois caem no rídiculo - alguém que lhes lembre o SIGIC, por exemplo.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.